Foi na Cidade de Deus que Adriana dos Anjos viveu um tempo ao lado dos filhos Gabriel e Miguel, sobrevivendo, passando por dificuldades ao lado do marido, Luciano. Não era exatamente o paraíso, apesar dos nomes que remetem à figura celestial dos arcanjos. Na verdade, estavam e estão longe dessa comparação. Adriana dos Anjos Belga, 22 anos, teve diagnóstico de paralisia infantil ao nascer.Casou-se há sete anos com Luciano Corrêa Romera, de 36 anos. Eles são os pais de Miguel, 3 anos e de Gabriel, 5 anos, esse também com diagnóstico de paralisia infantil. Se para as pessoas que moram no perímetro urbano das Capitais as reclamações sobre acessibilidade são constantes, o que dizer sobre os dois cadeirantes que dividem o mesmo barraco na favela do bairro Dom Antônio Barbosa, para onde foram transferidos há 15 dias, em Campo Grande?Os moradores foram entrevistados, e como relatado, o local para onde os mesmos foram transferidos, debaixo das lonas construídas com o já apelidado “kit favela” que a prefeitura de Campo Grande disponibilizou para que as mais de 40 famílias que vivem no local começassem a vida. “Quando chegamos aqui eles nos deram duas lonas, que pareciam sacolinha de supermercado e um copo de pregos. Mas se eu não tivesse tirado os pregos lá do outro barraco, nem esse aqui eu teria construído”, lembra Luciano. Durante os sete dias necessários para a construção do barraco onde moram, a esposa e os filhos foram para a casa da mãe, no bairro Rouxinóis. “Não tinha como eles ficarem aqui, eu trabalhei sozinho junto com meu irmão e ainda assim demorou sete dias pra levantar isso aqui”, contou.Após mais uma das chuvas que assola a Capital, muitos refaziam os barracos depois de mais uma noite de temporal. O cenário é desolador. Quem chega pela primeira vez ao local o compara à uma cena de filme. Há lixo espalhado por toda parte, famílias se apertando em um espaço que, muitas vezes, não passa de cinco metros quadrados e quando a chuva vem a situação se torna mais do que precária.“Nossa, isso aqui não segura água não dona, quando vem, vem com tudo mesmo. Essa madrugada nós ficamos até sem luz imagina? Das oito da noite até uma e meia da manhã. Molhou tudo o que a gente tinha. Sem contar o calor que fica aqui dentro, abafado. A gente se vira como pode com esse mosqueteiro velho porque não queremos ficar doentes. Tem calor, tem pernilongo, tudo isso a gente precisa cuidar”, desabafa Luciano.A sensação do pai de família que não consegue trabalhar, pois precisa cuidar dos dois cadeirantes que tem em casa, além do filho caçula: “Derrota, eu me sinto um derrotado aqui!”. A esposa sonha com a casa toda arrumadinha, com o filho que tem possibilidade de voltar a andar, com a limpeza e com os móveis. “Ah, ela quer comprar os móveis, mas até construir nossa casa é uma longa caminhada. Imagina comprar alguma coisa pra colocar aqui e ver a chuva levar tudo. Ou sair para ir ao médico e não encontrar nada mais quando voltar”, desabafa o pai. “Eu sei que eles, por serem cadeirantes, têm direito a moradia, mas a gente já teve em tudo quanto é canto e não consegue uma casa para morar”, argumenta.JuntosLuciano e a esposa estão juntos há oito anos. Antes de chegar até a comunidade, viviam em uma chácara no bairro Chácara dos Poderes, em Campo Grande mesmo. Mas nasceu o primeiro filho, Gabriel. E com dois anos eles descobriram que o menino tinha o mesmo problema da mãe. “A gente colocava ele em pézinho e via que as pernas não se sustentavam. Foi quando descobrimos que ele também tinha paralisia infantil”. O pré-natal de Adriana não aconteceu como devia. Morando afastados da cidade, ela chegou a fazer um único ultrassom e por isso desconhecia o problema do filho. No instante em que tomaram ciência resolveram deixar a chácara para dar continuidade ao tratamento do pequeno Gabriel em Campo Grande e para isso, sem opção, mudaram para a área de invasão no Cidade de Deus. Foram três anos e nesse meio tempo, nasceu Miguel.Enquanto conversamos com Luciano e Adriana, que nos descreveram as lutas e todas as frustrações de viverem daquela maneira, alheios à tudo isso, Gabriel e Miguel rolam na cama ao lado e entre sorrisos e gargalhadas, se transformam em super heróis. “Olha isso”, observa o pai, “Eles dão risada e brincam o tempo todo. Ah, isso é a nossa felicidade, é o que anima a gente, faz a gente seguir em frente todos os dias”, afirma Luciano.E todos os dias uma luta diferente. Pelo menos três vezes por semana a família leva Gabriel à Apae, onde faz tratamento com fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e psicólogo.Tudo isso com a esperança de que, até os dez anos, Gabriel possa se locomover sozinho, à exemplo da mãe, que consegue se movimentar em pequenas distâncias sem o uso da cadeira de rodas. “Não podemos deixar de ir porque se não ele pode perder a vaga”, explica Luciano. Para chegar lá, dois ônibus de ida e mais dois de volta. Luciano leva a cadeira de Adriana, que segue com o Miguel no colo, por uma certa distância, e depois volta pra pegar a cadeira do Gabriel. “Quando passa essa quebradeira de pedras aqui e chegamos ao asfalto, ela mesma leva a cadeira dela e eu levo o Gabriel. Mas se o Miguel resolve dormir no meio do caminho, ai complica tudo”, conta Luciano. Atualmente, a família vive do salário de Adriana, um salário mínimo que recebe de benefício do governo. Luciano é pedreiro, mas não tem conseguido trabalhar, pois não pode deixar Adriana sozinha com as duas crianças em casa. “às vezes, no fim de semana, vamos para a casa do meu irmão la no Oiti. Ele conseguiu uma casa boa, fez até uma piscininha nos fundos e quando a gente vai, as crianças não querem mais voltar. Principalmente o Gabriel, que não anda, mas engatinha por toda a parte. Porque ele diz que lá tem piso e aqui ele se machuca todo se arrastando por ai. Olha lá o joelhinho dele todo marcado. Eles ficam admirados, falam que lá tem chuveiro, tem banheiro certinho e aqui a gente não tem nada”, lamenta o pai que não consegue esconder a frustração de uma vida marcada por tanto sofrimento e luta.(Com informações do Estado Online).