O caos na saúde pública de Dourados, município a 228 quilômetros de Campo Grande, tem deixado o comerciário Wenderson Lopes, de 34 anos, sem atendimento médico. Diagnosticado em 2012 com a síndrome de Arnold-Chiari tipo 0, descrita na literatura médica como uma má formação rara e congênita do sistema nervoso central, ele não consegue os retornos para acompanhamento pós-cirúrgico e vive um drama enquanto sofre com fortes dores e paralisia.Há quatro anos, dores agudas nas costas, formigamento por todo o corpo e perda de sensibilidades nos braços e pernas assustaram Lopes. Depois de diversas consultas, uma ressonância magnética cara e feita por convênio particular descobriu a rara síndrome, até agora sem outro caso semelhante relatado em Dourados.Médicos demitidosEm fevereiro de 2015, uma equipe de neurocirurgiões fez em regime de urgência uma delicada cirurgia craniana nesse paciente. O procedimento aconteceu no Hospital da Vida, mas todos os retornos foram agendados para o HU-UFGD (Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados), onde atuavam esses especialistas.No dia 23 de junho deste ano, Lopes passou pela última consulta nessa unidade. Nessa oportunidade, o neurocirurgião que lhe atendeu agendou retorno para três semanas depois. Nesse período, contudo, o HU demitiu os profissionais dessa especialidade e o paciente em questão ficou sem atendimento, voltou a sentir dores e assiste angustiado um aparente agravamento de seu problema.Sem atendimento“Ele teve boa melhora depois da cirurgia, passou a não sentir formigamento, recuperou a sensibilidade dos braços e das pernas”, lembra Marina Martins Gamarra, de 34 anos, esposa que acompanha desesperada a situação do marido, deitado num sofá queixando-se de fortes dores nas costas e com dificuldades para mover, sobretudo, a perna direita.“Ele começou a sentir dores novamente no domingo, aí na terça-feira piorou. Tive que chamar o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] porque ele não levantava mais. Levaram ele para a UPA [Unidade de Pronto Atendimento] e ficou internado. Mas liberaram ele porque não tem neurocirurgião e nos hospitais também porque o prefeito não renovou o contrato dos neurocirurgiões pelo SUS [Sistema Único de Saúde]”, desabafou.Jogo de empurraNo entanto, Sebastião Nogueira, secretário municipal de Saúde, garante que o contrato entre a Prefeitura de Dourados e o HU-UFGD permanece em vigor, embora a renovação ainda esteja emperrada porque a unidade hospitalar exige um aporte de mais R$ 800 mil nos repasses e o poder público alega insuficiência financeira.“O Hospital Universitário está atendendo normalmente todos os pacientes. O contrato ainda está aberto, está atendendo normalmente”, repetiu o secretário ao ser questionado pela reportagem. “Não é por isso que deixou de atender, se deixou de atender é porque o HU não quis, é o grande problema do HU, sempre nega”, afirmou o gestor de saúde municipal.Questionado, o HU-UFGD contestou o secretário, alegou não ser “referência (não possui habilitação) para a especialidade de neurocirurgia” e informou que “mantinha contrato com profissionais médicos dessa área na modalidade de sobreaviso, para o caso de haver necessidade de avaliações e cirurgias durante tratamentos de outras especialidades, como a Pediatria, por exemplo”.Administrado pela EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), o hospital pontuou que “esses profissionais se dispuseram a realizar consultas de neurocirurgia, para suprir a demanda da região pelo atendimento na área”. “No entanto, por não ser a referência para tais atendimentos na cidade, tanto ambulatoriais quanto cirúrgicos, o HU-UFGD arcava por conta própria com o salário dos médicos e o custeio dos insumos, acarretando despesas que não tinha mais condições de manter”.Ainda segundo o HU, desde 2015 foram enviados ofícios diversas vezes à Secretaria Municipal de Saúde “sobre seu planejamento de encerrar a oferta da especialidade, que, em Dourados, tem o Hospital da Vida como referência”. “Por fim, no início do mês de julho de 2016 tais profissionais tiveram seus contratos encerrados com a Fundação Municipal de Saúde e Administração Hospitalar de Dourados (FUMSAHD) e, desde então, cabe ao gestor municipal de saúde orientar os pacientes sobre o fluxo de atendimento”, argumentou o HU.Incertezas“Cabe informar que o HU-UFGD, em seu planejamento de encerrar a oferta da especialidade, fechou a agenda para marcação de novas consultas 45 dias antes do desligamento dos médicos, justamente para não causar impacto no tratamento dos pacientes, tendo realizado os últimos agendamentos para o mês de junho, como no caso do paciente em questão. Para eventuais retornos, a orientação é que os pacientes busquem a continuidade do tratamento junto à Secretaria Municipal de Saúde”, acrescentou.Diante desse cenário, em que não há soluções para o problema, o comerciário diagnosticado com a síndrome rara continua a viver incertezas. As dores voltaram, bem como os formigamentos e é cada vez mais difícil mover a perna direita, segundo a esposa dele. “Ele perde os movimentos porque atinge a medula e a coluna. Ele passou a usar bengala depois da cirurgia e sente dores fortes nas costas e tem que ficar deitado. Piorou de novo e vai ter que voltar de novo para UPA onde só dão Dipirona e Morfina”, lamenta Marina.
Caos na saúde deixa paciente de síndrome rara sem socorro
Redação, Mídia Max
23/07/2016 às 03:00 •