Sara posa para o fotógrafo Hector Diego Quando aparece nas redes sociais, Sarah Santos é pura energia. Talvez porque, aos 19 anos, já comemorou a vida por três vezes. Ela nasceu com má formação congênita, do mesmo jeitinho que a mãe e o pai. O Lado B quis conhecer a história da menina que está sempre sorrindo e ultimamente vem lacrando nas postagens, pelo emponderamento, autonomia e uma autoestima invejável.Sarah é acadêmica de Jornalismo e mora no bairro Coophatrabalho, ao lado da mãe, do padrasto e da irmã mais velha. Os rumos da história dela foram traçados um pouco pelas avós paterna e materna. As duas tomaram Talidomida durante a gestação, medicamento conhecido pelos milhares de casos de focomelia, uma síndrome caracterizada pelo encurtamento dos membros junto ao tronco.Por isso, o pai e a mãe dela nasceram com deficiência nos braços. Quando Sarah veio ao mundo, os pais tiveram a notícia que a filha nasceu com o mesma má formação. Para eles, um susto, mas também um milagre.Meu pais se conheceram em 1997 em uma associação de pessoas que nasceram com deficiência por conta da Talidomida. Casaram e minha mãe me teve, mesmo quando não podia ter filhos, resume Sarah.Mesmo que a mãe não tenha tomado a mesma medicação, até hoje médicos não souberam explicar o caso de Sarah. Não souberam falar se isso é genética. Mas eu nasci com a deficiência, além de miopia e problema no coração, conta.Apesar dos problemas de saúde, a deficiência para a estudante nunca foi motivo de questionamento. Pelo contrário, Sarah sempre lidou muito bem com a sua condição e batalhou para levar uma vida normal ao lado da mãe, que separou alguns anos após o nascimento dela.Com históricos de cirurgias devido a um problema cardíaco, a história de Sarah é longa. Nasci com problema no coração muito severo, indo direto para a fila de transplantes. Ali, os médicos disseram que eu só tinha 6 meses de vida, conta.Sarah superou a expectativa médica e sobreviveu. Só que aos 3 anos passou pela primeira cirurgia, para fazer uma correção em uma veia do coração. Ela continuava na fila de transplante, mas os médicos persistiam nos procedimentos. Eu falo que eles sempre iam tentando remendar para eu ficar bem, diz.O coração seguiu bem até os 7 anos, quando novos exames apontaram outro problema e pela segunda vez o risco de morte devastou a família. Fui fazer exames de rotina e os médicos descobriram um sopro muito severo no meu coração e ainda estava com duas válvulas tortas. Me desenganaram de novo, dessa vez dizendo que só tinha um mês de vida. Mas acabei fazendo a cirurgia e colocando o marcapasso, conta.Com 12 anos, Sarah retornou a mesa de cirurgia, dessa vez por acaso, para não dizer falta de sorte. Foi a terceira cirurgia, porque eu não sei como, consegui estragar meu marcapasso. Os médicos até disseram que foi correndo ou brincando, mas enfim, tive que operar para arrumar, diz sorrindo.Hoje Sarah leva um vida normal e saudável. A próxima cirurgia já é aguardada pela estudante daqui a 2 anos para substituir o marcapasso. Mas está confiante e afirma que ser feliz faz os dias serem melhores, com o coração batendo mais forte. Tem gente que fala tanto na deficiência, mas pra mim o importante é meu coração. Se isso está bem, o resto pode dar tudo certo, confia.Grande mãe - Morando juntas, mãe e filha sabem da deficiência, mas perceberam que ela fica muito pequena perto dos sonhos que realizam juntas.A história de Rosa Maria é tão surpreendente quanto a de Sarah, pela energia e o sorriso contagiante como o da filha. Diferente de Sarah, Rosa tem dois braços menores, mas nunca foi impedimento para insistir no sonho de prestar concurso para a Polícia Civil. As pessoas me perguntavam como é que eu ia dar conta, falavam da prova física e colocavam um monte de questionamentos, mas deficiente é teimoso, eu sabia que tinha que tentar conta.Sem desistir, Rosa prestou concurso e foi aprovada, passou por todas as etapas e se orgulha até da primeira vez que conseguiu dar um tiro. Eu apoiei a arma e ela ficou um pouco de lado, mas quando eu atirei, acertou o alvo de primeira. Ali eu vi que tinha que seguir em frente mesmo.Foram 13 anos atuando como papiloscopista. Sem medo de encarar a profissão, descreve com bom humor os momentos de dificuldade por conta da deficiência. Eu fazia identificação de cadáver, né. Por conta dos braços pequenos, eu tinha contato próximo com o corpo, as vezes voltava cheia de sangue por chegar muito perto. Mas fazia parte, era meu sonho estar ali.Por conta da deficiência e um problema no útero, Rosa não podia ter filhos. Perdeu quatro gestações, sendo a última de gêmeos. Quando achou que não poderia ser mãe, optou pela adoção. A filha Letícia Santos, que hoje tem 25 anos, é a mais velha que entrou na vida de Rosa para completar o sentido de família.Letícia foi e continua sendo uma benção. Minha filha querida, tanto quanto Sarah. Era meu sonho ser mãe e ela veio para completar a felicidade.Quando Letícia tinha 5 anos, Rosa descobriu que estava grávida de Sarah. Naquele momento, a incerteza e angústia tomaram conta. Foi uma gravidez tranquila até os 7 meses, quando fiz uma ultrassom e constatou que ela nasceria da mesma forma. Naquela hora eu disse meu Deus, o que eu faço agora.O diagnóstico levou Rosa a uma depressão profunda, que ela narra com os olhos cheios de lágrima. Começou a passar um filme da minha infância. A gente era muito pobre, naquela época tinha muito bullyng, tanto que entrei na escola mais tarde. Por mais que eu lidasse bem com a minha deficiência, comecei a imaginar tudo que ela passaria quando começasse a crescer.A depressão fez Rosa pensar em suicídio, para acabar com um sofrimento tão grande. Mas a cura veio no amor, quando olhou Sarah pela primeira vez. Eu lembrei muito da minha mãe. Porque quando eu nasci as pessoas disseram pra ela que tinha acabado com a vida, que eu iria sofrer. Mas ela persistiu, mesmo sem ter nenhuma instrução, graças a ela que hoje eu e Sarah estamos aqui. A ignorância da minha mãe foi a minha vitória, pra eu crescer com essa independência.Depois de alguns anos cuidando de Sarah, dentro de casa e sem trabalhar, foi a filha caçula que fez a mãe voltar a enxergar a vida com outros olhos. Sem deixar de lado todos os sonhos. Eu voltei a trabalhar por conta dela. Em casa faço de tudo, lavo, passo, cozinho, mas ela dizia que estava na hora de viver minha vida, fazer mais amizade e eu decidi voltar aquela rotina de trabalho. Hoje ela também já tem a independência e isso me deixa muito feliz. Cada conquista dela, é uma conquista minha também, diz a mãe.Enquanto Rosa fala, é o brilho nos olhos de Sarah que revela o orgulho da mãe e também a gratidão pela força que criaram juntas. Aprendi tudo com ela. Tanto que não fico preocupada com o que pensam da minha deficiência, porque é o menor dos problemas para quem passou por três cirurgias.Quando o assunto é aceitação, a estudante não nega que já sofreu preconceito, mas isso está longe de mexer com ela. No ensino fundamental houve bullyng, também já fui a excluída da turma. Mas foi por pouco tempo, até eu ter muitos amigos e ter a sorte de pessoas boas ao meu lado. Então acredito que nunca precisei passar por uma superação.Vaidosa, sorridente e apesar do jeito de menina na hora de falar, Sarah conversa com a maturidade que chegou cedo e retruca o comportamento das pessoas de inferiorizar o deficiente, seja qual for a condição. Pesa mais do que o preconceito dito ou sentimento de repulsa. Quando você é diferente, costuma ouvir discurso que sempre te inferioriza como se você não fosse capaz. As pessoas costumam me infantilizar e na maioria das vezes acham que eu sou muito frágil por conta da deficiência, dizendo que eu não posso fazer alguma coisa.Ela também não gosta de ser lição de vida para as pessoas. Querem que você se torne uma lição, quando na verdade só quero ser uma pessoa normal, levar uma vida normal. Isso é até mais chato do que o preconceito. Eu acredito que a gente pode inspirar outras as pessoas, mas isso não pode se tornar uma obrigação, por que também erro, choro, fico triste como qualquer pessoaMesmo assim, o jeito é respirar fundo e sempre dar a volta por cima. Pode até ser que eu não possa mesmo. Mas eu posso tentar e, se eu conseguir, ótimo. Senão, eu tento de novo ou a gente dá algum jeito. Mas eu não vou desistir só por que alguém fala que eu não posso, declara em tom de liberdade.No dia do aniversário, Sarah resolveu tatuar nas costas as marcas de quem ela é e sim, deixou uma lição aos amigos. Quis colocar na pele uma série de coisas que fazem quem eu sou hoje.Então, tatuei meu fascínio por flores e pelo mar em um desenho que fala sobre meus problemas cardíacos e sensibilidade, uma metáfora sobre florescer em meio às lutas. Se não fosse uma ideia maluca, não seria eu, né? Se pudesse desejar algo a todos que me felicitaram ontem, seria: que vocês tenham a honra de se autoconhecer!O amor entre mãe e filha supera todos os obstáculos.
Deficiência é de menos para Sarah que ganhou a vida 3 vezes e lacra na internet
Redação, Campo Grande News
03/11/2016 às 02:00 •