Eu brinco que tropecei na prostituição... Esse mundo pra mim nem existia, diz Bianca. Quando a orientação sexual de *Bianca se tornou um problema, a mãe decidiu que o melhor seria mandar a filha embora de casa. A cena do primeiro contato com as ruas, quando ainda vivia em São Paulo, nunca lhe saiu da cabeça.“Morava com meus pais que eram evangélicos. Tinha só 15 anos quando me apaixonei por uma menina da escola e começamos a ficar. Minha mãe pegou a gente, não aceitou e me mandou embora”, lembra.O mundo em que vive hoje foi apresentado ali, no meio da rua. “Eu sai de casa perdida e sem rumo. No mesmo dia, apareceu um cara, me oferecendo uma carona e me levou para beber. Me tratou super bem, foi carinhoso, me ouviu e ofereceu dinheiro para ficar com ele”.Para ela, a decisão de fazer do sexo uma profissão foi a única opção. “Eu brinco que eu tropecei na prostituição... Esse mundo para mim não existia e eu sei que era realidade que eu não viveria se ainda estivesse em casa. Porque eu gosto de mulher, homem pra mim é só negócio”, reflete.A distância da família trouxe o sentimento de abandono, que fez Bianca enxergar o mundo de outra maneira e culpar a mãe ainda hoje, 4 anos depois. “Poxa, eu ainda estava na escola, era uma menina e se eu tivesse uma filha, jamais mandaria ela embora. Fico pensando que se ela tivesse pelo menos me dado uma surra, muita coisa seria diferente... Sou o resultado do que ela me fez. Aprendi ganhar o dinheiro fácil”, desabafa.Depois de receber R$ 100,00 pelo primeiro programa, Bianca conta que tentou voltar para casa, mas a mãe não mudou de ideia. Disposta a viver sozinha, voltou para as ruas e para a exploração sexual.De cara, por ser nova, ela conta que foi fácil trabalhar em casas que aceitavam menores. Mas ao lado do dinheiro rápido, veio a insegurança.“Não pode dever à casa, senão, ninguém te deixa ir embora, pegam seu documento e te prendem. Cheguei a passar por isso, fiquei devendo a casa na época e é a pior coisa, perde celular, computador ou que tiver, sem contar que o cafetão pode te estuprar. Caso todo mundo se comportasse, mimavam a gente levando para comer e ir ao cinema. Senão, continuava de castigo”, descreve.Em Campo Grande, a vida se tornou um pouco diferente. Chegou na cidade com 17 anos para trabalhar em uma boate e, de quebra, ficar próxima da avó materna que é a única relação familiar que preserva. “Não moro com ela, mas vou aos domingos almoçar e conversar um pouco. Mas nem fico muito, ela se sente culpada por tudo, mesmo eu dizendo que a culpa nunca foi dela”.Bianca é o nome de guerra escolhido, por levar ao apelido Bia, que segundo ela remete ao perfil de menina novinha, estilo preferido entre os clientes. “Antes eu era Paloma, mas quando cheguei aqui, minha chefe me disse que era nome de velha”, ri.Morando em uma casa na Vila Carvalho, no mesmo lugar onde trabalha a partir das 09h00min da manhã, a moça de corpo magrinho e longos cabelos encaracolados fala com a maturidade da rua. “Comecei a cheirar com 16 anos, assim que fiz programa com um traficante. É algo que está muito envolvido, é quase inevitável. Mas hoje me arrependo muito e não gasto meu dinheiro com cocaína. Mesmo assim, meu pior medo é subir para o quarto bêbada”, conta.Bianca é carismática e inteligente, mas a pausa a cada palavra deixa clara a convivência com o medo, fazendo de 3 a 4 programas por dia. “Os homens querem te tratar como qualquer uma, querem bater. Ao mesmo tempo, tem cliente que quer te tirar da zona, são os apaixonados que perseguem e ameaçam. Já vi muita amiga minha entrar em carro e nunca mais voltar”, revela.Para encarar as horas de trabalho, o jeito é pensar no que motiva Bianca a subir em cima de um salto todos os dias. “É por dinheiro. É um mercado rentável se for inteligente, mas vem fácil e vai fácil, porque a gente sempre gasta tudo em um dia. Acho que é uma vida que tem que juntar dinheiro e sair de vez”, diz.Mas enquanto esse dia não chega, ela jura que evita até se olhar no espelho. Não olho, uso ele só pra passar maquiagem. Porque não é fácil escutar das pessoas todo dia que a gente faz isso por prazer. Nenhuma menina aqui transa por prazer. É um trabalho e quando a maré está ruim, a gente se ferra como qualquer outra pessoa aí fora. Porque se ninguém trabalhar, a gente também não trabalha, porque somos a diversão, pontua. Os dias difíceis, também deixaram cicatrizes com significados importantes na vida dela. Tenho essas marcas no braço e na perna (cortes), de quando eu tinha raiva. Não conseguia entender o porque estava fazendo tudo isso aqui, aí você entra na droga e deprime. Fiz isso porque minha vontade era pegar alguém e bater, mas se eu fizesse isso eu não ia parar nunca. Então fazer isso comigo virou uma válvula de escape. Mas eu não sou depressiva, só ficava muito triste. Na casa onde vive, ela jura que a relação com os patrões é quase de uma família. Aqui é diferente, todo mundo respeita a gente. Tem regras a serem seguidas, mas não tem aquela pressão. A gente só paga o que consumir de bebida e o quarto. Fora isso, todo mundo respeita e a gente acostuma. Nâo tenho mais nenhum ligação com o restante da família. Então ele acabam sendo a nossa família. Enquanto continua a questionar até onde vai, sem encontrar a resposta, ela pede para deixar um conselho. O que eu penso? Que 22h30min é hora de dormir, então que ninguém saia de madrugada, ela é para os loucos, pras putas e pros poetas. Porque se você sair vai descobrir que o mundo não é bonito. Então trabalhe o dia todo e vá dormir”.Nos braços, as cicatrizes dos momentos de depressão.