Nova pesquisa do Ibope Inteligência/Ipec aponta que, em 2020, ano marcado pelo enfrentamento da pandemia da covid-19, a ilegalidade respondeu por 86% de todos os cigarros consumidos no Mato Grosso do Sul. O estado lidera o comércio ilegal do produto no país - 37 pontos percentuais acima da média nacional. Mesmo com os efeitos da pandemia, provocando uma alta inédita no dólar, ultrapassando R$ 5, o mercado ilegal não apresentou o mesmo recuo verificado no Brasil. Enquanto a participação do cigarro ilícito caiu de 57% para 49% na média nacional entre 2019 e 2020, no Mato Grosso do Sul a queda foi de apenas um ponto percentual.A pesquisa, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), aponta como um dos fatores do alto índice de participação do crime no mercado de cigarros os baixos preços praticados pelos contrabandistas e fabricantes nacionais que sonegam impostos. Com a alta do dólar no período, o preço médio do cigarro ilícito no Mato Grosso do Sul subiu de R$ 2,82 em 2019 para R$ 3,91 em 2020 - abaixo do preço mínimo definido pela legislação brasileira (R$ 5).Com mais de 1,5 mil quilômetros de fronteiras, sendo a maior parte com o Paraguai, o Mato Grosso do Sul tem o seu mercado de cigarros abastecido principalmente com o contrabando do país vizinho, responsável por 84% das vendas de cigarro no Estado. Outros 2% são fornecidos por fabricantes nacionais que sonegam impostos, os chamados devedores contumazes. O predomínio da ilegalidade movimentou em média R$ 710 milhões no Estado e causou uma perda aos cofres públicos estimada em R$ 272 milhões, somente com o ICMS não arrecadado. O imposto é justamente uma das principais fontes de receita do estado para o desenvolvimento de políticas públicas sociais para educação, saúde e segurança, lembra ele.Das 10 marcas de cigarros mais vendidas no Mato Grosso do Sul, quatro são ilegais - juntas, elas representam 84% do mercado - também recorde no país. As duas marcas mais vendidas também são oriundas do crime: as marcas Fox (62%) e Eight (13%), contrabandeadas do Paraguai.Apreensões recordesDados da Receita Federal mostram que 88% dos produtos apreendidos no Mato Grosso do Sul são cigarros - houve um aumento de 17% nas apreensões em 2020. Foram mais de 56,8 milhões de maços de cigarros apreendidos -- o equivalente a mais de R$ 284 milhões, cifra também muito acima da média dos demais Estados brasileiros, em função das operações na fronteira.O cigarro ilegal é facilmente encontrado no Mato Grosso do Sul - e não é na barraquinha na rua e no comércio informal que se concentram a maioria dos cigarros ilícitos à venda no estado. Segundo o Ibope/Ipec, 66% dos produtos do crime foram comprados no comércio legal - como bares, mercearias, mercadinhos, bancas de jornal e padarias.O efeito de medidas econômicas no combate ao contrabandoEdson Vismona, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), chama atenção para o impacto da mudança de fatores econômicos no negócio do crime organizado. Segundo ele, os resultados do levantamento em 2020 mostram que é possível para o Brasil combater a ilegalidade no setor de cigarros, substituindo o ilícito pelo produto legal. A pandemia alterou fatores econômicos que impactaram diretamente o preço do produto do crime organizado. Isso mostra que se mexermos nas variáveis econômicas de modo a atacar de frente o produto ilegal, o mercado legal nacional tem toda a capacidade de assumir essa parcela, gerando emprego e arrecadação, sem resultar em aumento de consumo, aponta.O ETCO defende o debate tributário também sobre o ponto de vista de combate à ilegalidade. No Brasil, os impostos sobre os cigarros variam de 70% a 90%, dependendo do Estado. Já no Paraguai, o produto é taxado em apenas 18%. É importante que sejam tomadas medidas que impactem a demanda do cigarro do crime e não apenas medidas que se restrinjam ao combate da oferta do produto ilegal. Para isso, a questão tributária é fundamental e deve ser colocada em discussão, afirma o presidente do ETCO.O contrabando no BrasilO Ibope apontou que, em 2020 a ilegalidade respondeu por 49% de todos os cigarros consumidos no Brasil, sendo 38% contrabandeados (principalmente do Paraguai) e 11% produzidos no Brasil por fabricantes classificadas como devedores contumazes. Com isso, 53,9 bilhões de cigarros ilegais circularam no país, uma cifra ainda extremamente alta. Com o aumento do preço do ilegal (de R$ 3,44, em 2019, para R$ 4,44, em 2020), o consumidor migrou, pela primeira vez em seis anos, para o produto formal, provocando queda de 8 pontos percentuais do mercado ilícito no Brasil, enquanto o mercado formal aumentou na mesma medida, chegando a 51%. A arrecadação de impostos do Brasil teve um incremento de R$ 1,2 bi sobre o setor do tabaco, alcançando R$ 13,5 bilhões. Mas a sonegação ainda é alta: R$ 10,4 bilhões. Esse valor, se revertido em benefícios para a população, poderia ser usado para construir 94 mil unidades de casas populares, ou 18 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), ou ainda 58 mil leitos de UTI para o tratamento de covid-19.Realizada desde 2014, a pesquisa Ibope/Ipec tem abrangência nacional e, nesta edição, foi a campo entre outubro de 2020 e janeiro de 2021. Foram entrevistados presencialmente 9 mil fumantes com idades de 18 a 64 anos, residentes de municípios com 20 mil habitantes ou mais.