Publicado em 08/10/2015 às 03:00,

Mesmo com ordem judicial há mais de 1 ano, família não recebe cannabidiol

Redação, G1
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(Foto: Divulgação)
Desde de agosto de 2014, os pais de Júlia Ayumi Aguiar Sato, de 6 anos, moradora de Presidente Prudente, conseguiram na Justiça o direito ao recebimento do medicamento cannabidiol, que possui em seu componente substâncias à base da maconha. Porém, apenas em março deste ano a menina conseguiu receber a dose do Estado. A família da criança ainda manteve a compra do remédio por mais dois meses, mas, devido ao alto custo - cerca de R$ 5 mil pela caixa -, o tratamento precisou ser interrompido.Júlia sofre de convulsões desde que nasceu devido a uma má formação cerebral.Na decisão de 25 de agosto de 2014, o juiz da Vara da Infância e da Juventude de Presidente Prudente, José Wagner Parrão Molina, reconhece que a criança necessita do medicamento, sob pena de comprometimento de sua saúde, uma vez que as terapias convencionais não se mostraram eficazes no controle das crises epilépticas e estabilização do quadro neurológico.Na ação movida contra o Estado, a família pede a “concessão da antecipação da tutela para fornecimento contínuo do medicamente hemp oil (RSHO) – cannabidiol (CBD) na quantidade de 0,5 centímetros diluído em 1 milímetro por dia, enquanto durarem as doenças”.De acordo com o pai da garota, o taxista Leandro Sato, de 31 anos, a situação tem sido crítica, pois sem o uso do cannabidiol a filha tem cerca de 50 convulsões por dia.“Quando ela usa este medicamento, as crises quase não acontecem. Sem ele, é praticamente o tempo todo com esse sofrimento. Para calcular as convulsões, minha esposa criou uma tabela em que marcamos quantas ela tem a cada hora, pois as enfermeiras já estavam se perdendo devido à grande quantidade”, informa.No documento, o juiz deferiu o pedido de antecipação da tutela e determinou que o Estado forneça o medicamento cannabidiol, na forma prescrita no receituário médico, pelo prazo que necessitar, com novas avaliações semestrais, sob pena de multa de R$ 500 por dia pelo não cumprimento da obrigação, limitada ao montante de R$ 50 mil.Na ocasião, o magistrado ainda deu um prazo de 60 dias para o Estado cumprir a ordem. O juiz ainda advertiu o eventual descumprimento da determinação caracterizaria “crime de desobediência”.Tempo indeterminadoMas, mesmo com a decisão judicial em mãos, a mãe de Júlia, a artesã Alessandra Andrea Aguiar Sato, de 39 anos, diz que o medicamento só foi recebido uma única vez, em março deste ano, e que a família não tem como pagar para manter o tratamento. “Na época, nós ainda mantivemos por mais dois meses por conta própria, mas depois não conseguimos mais. O DRS [Departamento Regional de Saúde] alegou que o médico só havia feito o pedido uma única vez do medicamento. Mas, assim que fui informada de que a receita era apenas para uma única vez, eu já entrei em contato com o médico e ele passou o tratamento por tempo indeterminado”, explica.Com o pedido, a artesã voltou ao departamento, que é um órgão da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, mas, ainda assim, não conseguiu resolver a situação da filha. “Pediram-me para esperar, por cerca de três meses. Ao passar este período, retornei lá e me disseram que o procedimento na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] havia mudado, então, eu precisava entrar no site e preencher todos os requisitos solicitados para depois voltar no departamento. Fui atrás da documentação necessária e mais uma vez me pediram para esperar. Tudo leva muito tempo e agora nós ficamos assim, sem saber o que será feito. Enquanto isso, o tempo passa e minha filha continua com as crises”, conta a mãe, abalada com a situação.É muito caroSato e Alessandra, que também são pais de outra menina, a Belíssia, de 3 anos, dizem que as dificuldades financeiras têm prejudicado a família. “Eles enviaram para um mês e ficamos super felizes. Ela ficou bem melhor, até a levávamos para passear. Mas, depois, como não veio mais, nós começamos a pagar. Porém, não temos condições de manter esse medicamento. É muito caro e temos outra filha de 3 anos. Para poder dar o remédio, nós teríamos de vender nossa casa ou carro”, desabafa.A mãe conta que já não sabe mais de onde tirar forças para ajudar Júlia. “Há momentos em que eu me sinto envergonhada de ser brasileira. O governo não nos ajuda. Além do cannabidiol, nós gastamos, em média, R$ 800 com outros remédios para ela por mês, fora o custo da energia elétrica de R$ 700, pois a minha filha precisa dos aparelhos para auxiliar na respiração e eles ficam ligados 24 horas por dia. Nós já não temos mais condições de fazer compras em supermercados. Compramos apenas o básico, conforme vai faltando”, pontua.Por não conseguir ter acesso ao remédio, o pai da menina diz se sentir “incapaz”. “Eu me sinto impotente. Ver minha filha sofrer e não poder fazer nada para mudar isso. Falei para minha esposa que, por mim, venderíamos a casa e o resto das nossas coisas para poder manter essa medicação, porque percebemos que com o remédio é possível possibilitar uma melhor condição de vida pra ela. E a nossa maior dor é ver que, quando ela não está convulsionando, está dormindo, pois, sem o cannabidiol para evitar as crises, ela permanece dopada. Essa é a pior dor que um pai pode sentir, o sofrimento do filho”, diz, aos prantos.Sato questiona sobre o cumprimento da Justiça no país, já que, no caso deles, o direito adquirido não foi colocado em prática. “Nós temos o documento em mãos e, ainda assim, somos tratados dessa forma. Deixam-nos esperando e impossibilitados de conseguir o remédio. Queremos que o Estado cumpra a parte dele e que os responsáveis por esse não cumprimento da ordem sejam punidos”, expõe.O casoEm abril de 2014, após assistirem a uma reportagem sobre o tratamento para convulsões à base do cannabidiol, Alessandra Andrea Aguiar Sato e Leandro Sato decidiram buscar um novo método para tentar controlar a doença da filha Júlia, que sofria com espasmos constantes, por meio de um medicamento derivado da maconha. Apesar de proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma família havia conseguido na Justiça a autorização para utilizá-lo.A doença no cérebro da menina teve início quando ela tinha apenas três meses de vida. Neste período, os pais buscaram médicos e tratamentos, mas a situação se agravou logo após uma pneumonia, em que foi necessária a internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por quatro meses. Do local a menina saiu debilitada.“Nós a levamos ao médico e fizemos uma ressonância e, então, foi diagnosticado que ela tinha lisencefalia, que é uma má formação cerebral. Ela não tem as ondas cerebrais, que não deixam o formato do órgão liso. Foi aí que a nossa luta começou”, conta Alessandra.A menina vive em uma cama há três anos. Os pais buscam métodos para recuperar a saúde da criança, porém nada surte efeito. Para evitar o sofrimento, a maneira que a família encontrou é medicá-la e mantê-la dormindo, porque, quando está acordada, ela sofre de espasmos musculares.Em agosto de 2014, a família comemorou a autorização da Justiça para ter acesso ao medicamento. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo solicitou à Anvisa a liberação do uso do cannabidiol.Em julho do mesmo ano, Júlia foi internada com infecções urinária e no pulmão, consideradas gravíssimas pelos médicos. Atualmente, ela está em casa, mas necessita de cuidados redobrados com sondas e balões de oxigênio. “Mesmo com essa situação delicada, a nossa esperança de que o medicamento possa ajudar a nossa filha é grande”, diz o pai de Júlia, Leandro  Sato.Em reposta na época, a Anvisa não soube informar quando o remédio será liberado para Júlia. O diretor da agência, Jaime César de Moura Oliveira, no momento, havia solicitado mais um prazo para a discussão do assunto.Autorização da AnvisaEm janeiro de 2015, a Anvisa retomou a discussão e retirou da lista de substâncias proibidas, o medicamento cannabidiol, remédio feito à base de maconha. Muita polêmica envolvia a entrada da substância no Brasil, porém, se utilizada com finalidade medicinal, pode dar nova vida ao tratamento das pessoas.Na época, os pais de Júlia comemoraram a decisão por acreditarem que a filha teria uma melhor qualidade de vida com o uso do remédio. Ela pode passear, sair de casa, brincar com os primos e com a irmãzinha dela. Isso deixou a gente muito feliz, contou o pai.Outro ladoA Assessoria de Imprensa da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo informou por meio de nota que recebeu apenas em setembro todos os documentos necessários para que pudesse dar continuidade no processo de compra do medicamento.A prescrição médica entregue pela família no começo do processo era do ano anterior e estava desatualizada. Além disso, houve mudança nas regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Ministério da Saúde, sobre a importação deste medicamento específico, e foi necessário que a família conseguisse autorização de importação junto ao órgão federal. Informamos que o processo de compra já está em andamento, explicou o órgão do Estado.Sobre o fato de a paciente possuir uma liminar em seu favor, esclarecemos que ela já foi atendida, visto que a receita anterior era para três frascos que já foram entregues. Agora, foi aberto um novo pedido que também está sendo atendido, salientou a secretaria.A demora para o recebimento do medicamento se deve aos processos burocráticos, conforme a pasta. Por se tratar de um medicamento importado, é necessário o cumprimento de algumas burocracias federais para viabilizar a compra, incluindo autorizações de importação por parte da Anvisa, desembaraço alfandegário por parte da Receita Federal, entre outras, o que torna inviável o cumprimento dos prazos determinados pelo Judiciário, concluiu.