Redação, O Estado de S. Paulo
Estudo afirma que coronavírus pode afetar o cérebro Um grupo de cientistas brasileiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto DʼOr de Pesquisa descreveu pela primeira vez como o Sars-CoV-2 invade as células neuronais e provoca danos ao cérebro. Os cientistas constataram que, embora o vírus não se replique dentro dos neurônios, ele provoca uma resposta inflamatória sistêmica que leva a danos nas células neuronais. A descoberta, feita em laboratório, será crucial para a compreensão das sequelas neurológicas e psiquiátricas da covid-19.Inicialmente, a doença foi descrita como uma infecção do trato respiratório. No entanto, já se sabe que o vírus afeta vários outros órgãos, como os rins, o fígado, os vasos sanguíneos, o coração e o cérebro. Pelo menos a metade dos pacientes apresenta sintomas neurológicos, como confusão mental, anosmia (perda de olfato), delírio e risco aumentado de AVC. O novo trabalho foi submetido na forma de pré-print à Stem Cell Research, uma das revistas científicas mais importantes do mundo.Em setembro, o mesmo grupo havia constatado pela primeira vez a presença do Sars-CoV-2 dentro do cérebro. A equipe teve acesso aos resultados de uma necropsia feita em uma criança de 1 ano e 2 meses morta por Covid-19. Os cientistas conseguiram constatar a destruição dos tecidos cerebrais, mas, em testes in vitro, não conseguiram identificar a replicação do vírus dentro das células cerebrais.Desta vez, voltou-se a testar o processo com a ajuda de neuroesferas humanas (microcérebros mais simplificados, feitos com células tronco) em laboratório. Eles conseguiram constatar que o vírus entra nos organoides, mas, de fato, não se replica dentro das células.Comprovamos por exemplo, também em laboratório, que o vírus se replica em células cardíacas, mas não nas células neurais, mesmo quando submetidas a uma grande quantidade de Sars-CoV-2, explicou a neurocientista Marília Zaluar Guimarães, da Federal do Rio e do Instituto DʼOr, uma das autoras do trabalho. Mas mesmo não mobilizando a maquinaria celular para criar outros vírus, ele provoca um estrago nas células, por meio da produção e liberação de citoquinas.A inflamação, segundo o novo estudo, enfraquece o sistema imunológico e causa danos neurológicos e psiquiátricos. Essa descoberta é condizente com a hipótese atualmente mais aceita de que a maioria dos danos neurais causados pela covid-19 está relacionada a uma inflamação sistêmica que leva a danos indiretos no sistema nervoso central, conclui o trabalho.Essa ʽtempestade de citoquinasʼ, característica da covid severa, tem um grande impacto no funcionamento cerebral, explica a pesquisadora. Ela prejudica a memória, a manutenção das atividades neurais, as sinapses, entre muitas outras.Para a neurocientista, a descoberta será crucial para entender as sequelas neurológicas e psiquiátricas deixadas em pacientes de covid. Acho que esse estudo pode ser uma semente para entender os processos das sequelas que, infelizmente, começaremos a ver cada vez mais, concluiu. Projeções feitas pelos serviços de saúde e pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, no fim do ano, indicavam sequelas em mais de 40% dos infectados pelo vírus.