A pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quinta-feira (19), prevê o julgamento das normas da Anvisa e do Ministério da Saúde sobre a autorização de hemocentros de todo o país a rejeitar doações de homens gays sexualmente ativos. Pelas regras vigentes, eles só podem doar sangue se ficarem 12 meses sem relações sexuais.As normas consideram que a população gay é grupo de risco para a transmissão de vírus como o HIV, e doenças como as hepatites B e C. Até a publicação desta reportagem, o tema era o segundo item previsto na pauta do Supremo.A ação direta de inconstitucionalidade que pede a suspensão imediata dessas regras foi apresentada em 2016 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). No texto, quatro advogados da legenda argumentam que as normas “escancaram absurdo tratamento discriminatório” em razão da orientação sexual dos candidatos.“Ofendem a dignidade dos envolvidos e retiram-lhes a possibilidade de exercer a solidariedade humana.”Ranço discriminatórioO advogado Rafael Carneiro, que fará a sustentação oral no STF, conversou com o G1 e explicou que a anulação das normas não vai prejudicar a qualidade do sangue coletado nos hemocentros, mas garantir que o controle seja feito com base no comportamento sexual e não na orientação.“A norma já proíbe a doação de pessoas ‘promíscuas’, que têm mais de um parceiro, que não usam preservativo ou que usam drogas. Segundo ele, o objetivo é acabar com os “os ranços discriminatórios” que ainda existem no ordenamento jurídico brasileiro e que perpetuam estigmas e a exclusão social dos homossexuais.Baixa nos estoquesNa ação, os advogados também apontam que a proibição de doação de sangue por homens gays sexualmente ativos gera um impacto negativo de 19 milhões de litros anuais, que poderiam abastecer os estoques em “enorme carência” em todo o país.“[Isso] corresponde a um número assombroso de vidas que poderiam ser salvas, mas que acabam desassistidas”, argumentam na ação. Segundo dados do Hemocentro de Brasília, somente na capital federal, desde 2014 a média de doações recusadas a homossexuais foi de 108 por ano.Considerando que uma única bolsa de sangue pode ser utilizada por até quatro pacientes, de acordo com a fundação, este número representa cerca de 1.290 pessoas que podem ter ficado desassistidas nos últimos três anos quando precisaram de uma transfusão.Janela imunológicaSegundo os advogados, uma das explicações para adoção da política de restrição à doação de sangue por homossexuais na década de 1990 era a “janela imunológica” – período imediatamente posterior à infecção, quando os exames ainda não conseguem detectar os anticorpos contra o HIV. Na época, esta “janela” era de 6 a 8 semanas.Hoje, no entanto, os anticorpos conseguem ser identificados cerca de 15 dias após a contaminação, segundo Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV de 2013, elaborado pelo próprio Ministério da Saúde.A Fundação Hemocentro de Brasília disse diz que conta com tecnologias de identificação do vírus capazes de obter resultados confiáveis em prazo ainda menor – dentro de dez dias.Diante da evolução científica na prevenção e no tratamento das doenças sexualmente transmissíveis, os advogados afirmam que “a legislação brasileira continua impregnada de visões ultrapassadas, lógicas irracionais e fundamentos discriminatórios”.O Ministério da Saúde informou que, embora a janela imunológica “esteja atualmente reduzida”, o período de 12 meses foi estabelecido por “precaução”, assim como para outros grupos considerados de risco, como pessoas que fizeram tatuagens ou passaram por cirurgias.“Sob o pretexto de privilegiar a segurança no controle de saúde do sangue, o Estado brasileiro admite que determinado grupo de pessoas, por mera questão ontológica – e não em razão de comportamentos adotados –, seja barrado dos hemocentros e taxado de impuro, de aidético, frente às pessoas supostamente “normais” e possuidoras de sangue hipoteticamente ‘saudável’. A estigmatização é flagrante e absurda!, diz a ação.ContradiçãoA portaria do Ministério da Saúde é uma contradição em si mesma, apontam os advogados. Ao mesmo tempo em que permite restrição ao público gay sexualmente ativo à doação de sangue valendo-se de texto idêntico ao da resolução da Anvisa, a norma também proíbe a discriminação por orientação sexual.Segundo o documento, os hemocentros devem fazer a triagem clínica do sangue coletado para garantir a segurança do receptor, “porém com isenção de manifestações de juízo de valor, preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero”.“Este é, portanto, o quadro da legislação brasileira sobre o tema: aparentemente progressista, mas notoriamente contraditória e impregnada de preconceito”, concluem os advogados na ação.
STF deve decidir hoje sobre doação de sangue de homossexuais
Redação, G1
19/10/2017 às 02:00 •