O aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, assim como as demais redes sociais, agiliza a comunicação entre as pessoas em qualquer lugar e hora. Mas, quando se trata do uso do aplicativo no trabalho, é preciso cuidado e bom senso. A regra vale tanto para o empregado quanto para o empregador.Segundo o advogado trabalhista Bruno Gallucci, do escritório Guimarães & Gallucci, com a popularização do WhatsApp aumentou o número de ações trabalhistas na Justiça. Isso principalmente porque é cada vez mais comum que os profissionais, depois do horário do expediente, continuem sendo acionados pelo empregador para resolver questões do trabalho por meio do aplicativo. “As conversas fora do expediente de trabalho podem servir de prova e, dependendo do caso, abrem caminho para pedido de horas extras”, explica.Gallucci alerta, porém, que todos os casos devem ser avaliados. “Caso sejam apresentados os prints das conversas, isso pode servir de prova contra o empregador e resultar em uma condenação trabalhista em favor do empregado. O mais indicado é que a empresa evite esse tipo de contato com os empregados, ainda mais fora do expediente de trabalho”, recomenda.Para Daniela Moreira Sampaio Ribeiro, advogada do escritório Trigueiro Fontes, o empregado deve ter cuidado ao se dirigir aos colegas ou a um superior hierárquico nas conversas do aplicativo e também ter moderação na sua utilização durante o expediente. “O empregador tem o direito de exigir do empregado concentração total no seu trabalho, proibindo ou restringindo a utilização da ferramenta para fins particulares. Nesse caso, a desatenção do empregado à orientação pode ter como consequência a aplicação de penalidades disciplinares”, diz.A advogada trabalhista Vanessa Cristina Ziggiatti Padula, do escritório PK Advogados, alerta que se o aplicativo for utilizado de forma inadequada pelos funcionários eles podem ser advertidos, suspensos ou até ter o contrato rescindido por justa causa.ProibiçãoPara evitar problemas, a empresa em que Felipe Bossi trabalha proibiu o uso do WhatsApp. E o supervisor de RH de 26 anos tem a missão de comunicar aos funcionários da empresa de serviços de limpeza, portarias e construção sobre a proibição. “A orientação é para evitar o uso. Se a pessoa utiliza com certeza não é para coisas de trabalho. Já tive provas de que tira a atenção, o funcionário acaba fazendo os procedimentos de forma errada”, diz.Além do WhatsApp, a empresa bloqueou o uso de redes sociais como Facebook no computador e celular. Segundo ele, a orientação veio depois que a empresa notou que o uso do aplicativo estava atrapalhando o desempenho dos funcionários. “Há cerca de um ano e meio, logo que notamos que o WhatsApp estava sendo muito usado, já bloqueamos”, afirma.Os recém-admitidos são informados da proibição na integração com a empresa. “Não é muito bem aceito, mas eles obedecem”, conta. Ninguém foi demitido por descumprir a regra. “Eles têm bom senso, sabem que atrapalha”, diz Bossi.O supervisor de RH diz que se o funcionário precisa acessar o aplicativo para uma emergência ele tem direito, “aí usa rapidinho”. “Mas o dia inteiro de bate papo, o celular apitando, não é aceitável”, explica.Os funcionários não recebem instruções pelo Whatsapp ou Facebook, só por email. Se o funcionário é flagrado usando o aplicativo, ele tem a atenção chamada.Horas extrasDaniela Moreira Sampaio Ribeiro, do escritório Trigueiro Fontes, diz que a solicitação de tarefas ao empregado via WhatsApp fora do seu horário de trabalho pode configurar tempo à disposição do empregador e motivar reclamações trabalhistas pleiteando o pagamento de horas extras.Vanessa Cristina Ziggiatti Padula, do escritório PK Advogados, diz que a empresa não pode exigir do empregado a utilização do aplicativo em seu aparelho pessoal ou a compra de telefone compatível – a exigência apenas poderá ocorrer se o aparelho telefônico for ferramenta de trabalho, concedida pelo empregador e o Whatsapp um meio de comunicação oficial da empresa.“Outra questão é o sobreaviso, que é o tempo em que o empregado está à disposição do empregador, podendo ser contatado por aparelho celular ou outro meio de comunicação equivalente, em períodos determinados e nos quais deveria estar em descanso, com restrição na liberdade de ir e vir. As mensagens trocadas pelo WhatsApp equiparam-se, nesse caso, a mensagens trocadas no e-mail corporativo”, explica Vanessa.“O funcionário pode receber hora extra em situações que lhe seja exigido o desempenho da atividade laboral fora da jornada normal de serviço, e quando essas horas extras são realizadas por meio do WhatsApp, como respostas a problemas que surgem de repente, dúvidas e pareceres, temos a chamada jornada virtual, ressalta Bruno Gallucci, do escritório Guimarães & Gallucci.Assédio“Também os excessos dos gestores na forma de comunicação com os seus comandados, realizando cobrança excessiva, utilizando termos ofensivos e desrespeitosos ou expondo um subordinado de forma negativa e vexatória diante do grupo podem caracterizar um assédio moral e motivar reclamações trabalhistas com pedido de dano moral”, diz Daniela.Segundo ela, esse mesmo assédio pode ser motivo de reclamação trabalhista contra o empregador se, praticado por colegas do mesmo nível hierárquico, a empresa tomou conhecimento e nada fez para punir o empregado “ofensor”.De acordo com Vanessa, o uso do WhatsApp de forma inadequada com clientes ou colegas de trabalho poderá levar a penalidades se o aplicativo for utilizado como instrumento de comunicação virtual disponibilizado pelo empregador, servindo como ferramenta de trabalho, destinado essencialmente à troca de mensagens de caráter profissional.PuniçõesDaniela diz que punições disciplinares pelo mau uso do WhatsApp podem ser aplicadas pelo empregador quando o empregado dirige-se a colegas de trabalho ou a superior hierárquico de forma desrespeitosa e inadequada. Ou quando o empregado utiliza o Whatsapp para fins particulares, durante o horário de trabalho, comprometendo a sua produtividade e concentração. Nesse caso, se houver regra proibitiva do empregador, a punição ao empregado pode ser mais severa, por ele estar descumprindo regra estabelecida.Gallucci lembra que o uso de forma exagerada do aplicativo durante a jornada de trabalho, por motivos alheios à função exercida, pode resultar em erros, desvio de atenção e mau desempenho por parte do empregado. Esse uso sem limites pode levar a punições como advertência, suspensão e até uma dispensa por justa causa.De acordo com Vanessa, existem ações na Justiça do Trabalho geralmente quando o colaborador é demitido por justa causa. Os motivos mais comuns de demissão são a divulgação de informações sigilosas da empresa a terceiros, quebra de confidencialidade ou até mesmo assédio moral contra colegas de trabalho. “Em alguns casos, a proibição do uso do celular ocorre para preservar a segurança do empregado e de terceiros e, nesse caso, se a regra é desobedecida, também leva a medida disciplinar e dispensa por justa causa”, diz.Daniela diz que as mais comuns são de empregados pleiteando horas extras pelo tempo à disposição do empregador, por meio de mensagens de trabalho trocadas via WhatsApp fora do horário de expediente normal, e alegação de assédio moral, protagonizado por superiores hierárquicos, em razão de ofensas e tratamento desrespeitoso em grupos do aplicativo.Mau usoTambém existem ações trabalhistas nas quais as empresas defendem a justa causa por má conduta comprovada por meio de conversas e participação em grupos de WhatsApp em que o empregado se manifesta de forma ofensiva contra a empresa ou seus superiores hierárquicos, de acordo com Daniela.Segundo Gallucci, além da crescente demanda de ações por causa de horas extras, há pedidos de reversão de justa causa em decorrência da despedida do empregado pelo mau uso do aplicativo.O empregado pode reunir provas de que houve contatos via Whatsapp fora do horário de trabalho. Segundo Vanessa, o empregado pode preservar as mensagens e requerer a realização de perícia judicial para apresentação das informações em juízo ou mesmo apresentar as imagens das conversas. “Mas é importante esclarecer que qualquer tipo de mensagem eletrônica tem valor probatório relativo, ficando a critério do juiz avaliar se as informações comprovam as alegações em ação judicial”, informa.Para Daniela, as mensagens gravadas no próprio aplicativo são meio de prova suficiente, pois registram o conteúdo da conversa, as partes envolvidas, além do dia e hora da troca de mensagens. “Para utilização em processo judicial, o ideal é levar o aparelho celular em um cartório oficial ou Tabelionato de Notas e Registro Civil para que um tabelião transcreva as conversas registradas no Whatsapp num documento chamado Ata Notarial. Esse documento tem cunho oficial e pode ser juntado em qualquer processo judicial”, explica.Bruno Gallucci diz que a Justiça aceita como prova em processos trabalhistas a grande maioria de documentos, conversas eletrônicas, gravações, fotos e e-mails, desde que as informações tenham sido obtidas de forma lícita.“O empregado não pode esquecer, entretanto, que para configurar as horas extras não basta uma simples resposta a uma pergunta do seu superior hierárquico. É necessário, via de regra, em observância ao princípio da razoabilidade, que a comunicação seja um tanto quanto considerável”, alerta.É possível evitar ações na Justiça se a política em relação ao uso da ferramenta for clara. Vanessa diz que é preciso instituir uma política clara sobre a utilização de ferramentas com acesso à internet durante a jornada de trabalho, orientação dos empregados e fiscalização do uso correto.Para Daniela, o empregador deve orientar os seus gestores. “Uma boa opção é a criação de regras formais para a utilização da ferramenta, uma espécie de manual de procedimento, disponibilizado a todos, para que se saiba, de antemão, o que é uma conduta adequada e o que é excesso”, diz.Já o advogado trabalhista Gallucci considera que o empregador deve definir todas as regras em contrato ou criar um código de conduta interno, estabelecendo formas de controle do trabalho e da jornada, bem como regras de utilização do WhatsApp dentro e fora do ambiente profissional por meio de um regulamento, com conhecimento do empregado.O empregador pode proibir o uso do aplicativo durante o horário de trabalho. Para Daniela, caso o empregador entenda que há comprometimento da produtividade, o empregador pode proibir tanto a utilização do aplicativo quanto do próprio telefone celular particular no ambiente de trabalho. Contudo, nessa hipótese de proibição, o empregador tem que disponibilizar ao empregado linha fixa de telefonia para uma necessidade de comunicação fora do ambiente de trabalho.Vanessa explica que durante a jornada de trabalho, o empregador pode exigir que o empregado tenha sua atenção totalmente focada no desempenho de suas atividades, já que a jornada de trabalho é tempo à disposição do empregador, integralmente remunerado.No caso do celular, segundo Vanessa, a proibição do celular também é justificada por questões de segurança, já que o aparelho pode causar distração ao empregado e, consequentemente, acidentes.“Em regra, o que se condena é o uso abusivo dos celulares e os seus diversos aplicativos, sendo que o empregado deixa em segundo plano as atividades dentro do ambiente de trabalho, podendo o empregador impor limites, desde que com previsão expressa no contrato de trabalho ou no código de conduta interno”, diz Gallucci.Se não seguir as orientações do empregador quanto ao uso do celular e aplicativos, o empregado pode ser advertido, suspenso e, dependendo da gravidade do fato, até demitido por justa causa em caso de regra de conduta expressa não ser seguida, segundo Vanessa.Para Daniela, para que seja possível a punição, as regras devem ser claras e amplamente divulgadas no ambiente corporativo, ou seja, todos os empregados devem ter plena ciência do que podem e do que não podem fazer, para que eventual punição seja legítima.“As penalidades começam por uma punição mais branda, no sentido de advertir o empregado de que a sua conduta está inadequada. A dispensa por justa causa é a mais grave das punições e só pode ser aplicada se ficar comprovado que o empregado insistiu em desrespeitar as orientações do empregador, apesar de já ter sido repreendido por diversas vezes, com as penalidades mais brandas”, explica.Contudo, segundo ela, existem situações em que uma única conduta é considerada grave o suficiente para justificar a demissão por justa causa. Um exemplo disso é a divulgação pelo empregado, via WhatsApp, de imagens comprometedoras que violem segredo da empresa ou que exponham a público alguma situação que deveria ser preservada. “Nessa hipótese pode-se entender que houve falta grave e quebra de confiança, pelo empregado, que impossibilitam a continuidade da relação de emprego e justificam uma justa causa”, conclui.
Uso do Whatsapp no trabalho pode dar demissão ou até hora extra fora do expediente; veja regras
Redação, G1
12/08/2015 às 03:00 •