Em julgamento inédito, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que réus primários que não integram organização criminosa e com bons antecedentes, detidos por tráfico de drogas, não cometeram crime hediondo. O caso que pautou a sessão foi embasado na prisão de dois traficantes, ocorrida em abril de 2009, em Nova Andradina.O julgamento referente ao chamado tráfico privilegiado havia sido suspenso duas vezes. A discussão ocorreu no julgamento do Habeas Corpus, deferido por maioria dos votos, em favor de Ricardo Evangelista Vieira de Souza e Robinson Roberto Ortega, condenados a 7 anos e 1 mês de reclusão pelo juízo da Comarca de Nova Andradina.No “tráfico privilegiado”, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e nem integre organização criminosa.Por meio de recurso, o Ministério Público conseguiu ver reconhecida, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a natureza hedionda dos delitos. Contra essa decisão, a Defensoria Pública da União (DPU) impetrou em favor dos condenados o Habeas Corpus em julgamento pelo Supremo.O processo começou a ser julgado pelo Plenário em 24 de junho do ano passado, quando a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou no sentido de conceder o Habeas Corpus e afastar o caráter de hediondez dos delitos em questão. Para ela, o tráfico privilegiado não se harmoniza com a qualificação de hediondez do delito.Na sessão desta semana, o ministro Edson Fachin apresentou voto-vista no sentido de acompanhar a relatora, reajustando posição por ele apresentada no início da apreciação do processo. Segundo ele, o legislador não desejou incluir o tráfico minorado no regime dos crimes equiparados a hediondos nem nas hipóteses mais severas de concessão de livramento condicional, caso contrário o teria feito de forma expressa e precisa.“Nesse reexame que eu fiz, considero que a equiparação a crime hediondo não alcança o delito de tráfico na hipótese de incidência da causa de diminuição em exame”, disse o ministro Fachin, acrescentando que o tratamento equiparado à hediondo configuraria flagrante desproporcionalidade. Os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber também reajustaram seus votos para seguir a relatora.Ao votar no mesmo sentido, o ministro Celso de Mello ressaltou que o tráfico privilegiado tem alcançado as mulheres de modo grave, e que a população carcerária feminina no Brasil está crescendo de modo alarmante. Segundo o ministro, grande parte dessas mulheres estão presas por delitos de drogas praticados principalmente nas regiões de fronteiras do país.O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, também votou no sentido de afastar os efeitos da hediondez na hipótese de tráfico privilegiado. Ele também observou que a grande maioria das mulheres está presa por delitos relacionados ao tráfico drogas, e quase todas sofreram sanções desproporcionais às ações praticadas, sobretudo considerada a participação de menor relevância delas nessa atividade ilícita. “Muitas participam como simples ‘correios’ ou ‘mulas’, ou seja, apenas transportam a droga para terceiros, ocupando-se, o mais das vezes, em mantê-la, num ambiente doméstico, em troca de alguma vantagem econômica”, ressaltou. (Com assessoria do STF)