Vítima foi sequestrada e violentada por um grupo de homens. Um trauma para o resto da vida. É assim que Maria* descreve os momentos de desespero que viveu depois de ser sequestrada, agredida e estuprada em Campo Grande. A mulher transsexual, de 54 anos, conta que nunca imaginou que sofreria com tamanha violência, mas relata que o preconceito e a marginalização sempre estiveram presentes em sua história. Não é fácil ouvir uma história como essa, mas mais difícil ainda será para a vítima conviver com a lembrança da violência. Maria afirma que sofre com pesadelos e não consegue dormir direito desde o dia do crime. “Tem momentos que não quero tocar no assunto, é um desafio que vou ter que enfrentar”, diz.Na casa de uma amiga, a vítima concordou em encontrar com a reportagem do Midiamax e relatar a sequência de acontecimentos do dia do crime. Moradora de Campo Grande há 15 anos, ela morava em Corumbá e sempre foi apaixonada por artesanato. Na cidade natal, ela trabalhou em diversos carnavais. Veio à Capital para trabalhar informalmente em uma escola de samba e por aqui cultivou muitas amizades, mas tudo mudou na manhã do dia 18 de junho. “Sou o que sou, tento mostrar que não sou diferente de ninguém, mas o preconceito existe”, diz.As agressões e o estupro, que parecem ter sido motivados pela LGBTfobia, são alguns dos maiores medos para quem é transsexual, mas está longe de ser a única violência. Para Maria, a opressão já começa na dificuldade de conseguir trabalho. Ela tirava sua renda fazendo bicos de artesanato e cuidando da quadra da escola de samba, mas não conseguia emprego formal.“Conseguir emprego é difícil. Já tentei muito, teve uma vez que encaminhei currículo e na hora da entrevista, a pessoa me olhou e só falou que iria entrar em contato, mas nunca entrou. Claramente, a gente percebe que é preconceito por ser trans”, afirma Maria. No dia do crime, Maria conta que saiu de casa para ir ao supermercado por volta das 11 horas da manhã, quando foi abordada por um grupo de homens em um carro vermelho. “Na volta, eu fui abordada e agiram com muita violência”, relata. A mulher trans explica que não conseguiu identificar nenhum dos autores, já que todos estavam de máscara e boné. Durante a abordagem, ela levou um tapa tão forte que caiu no chão. Em seguida, os homens a chutaram. “Uma coisa que nunca vou esquecer é que eles disseram: ‘Você gosta de dar? Cale a boca’”, relembra. Os autores colocaram um pano em seu rosto e a empurraram para dentro do carro. Maria conta que o veículo andou por um bom tempo, até que ela ouviu o barulho de um portão de correr. Os homens a puxaram de dentro do carro, lhe deram chutes e a deixaram de quatro no chão, quando iniciaram o estupro. Maria ficou olhando para o chão o tempo todo e achou que seria violentada por um dos homens, até que percebeu que o grupo trazia um cachorro. A vítima foi agredida por um tempo, até que começou a sangrar. Foi quando ela ouviu um dos agressores. “Vamos tirar esse ‘viado’ daqui, vai dar B.O”, relata. Maria sentia muitas dores, quando a levaram para dentro do carro. Ela achou que seria assassinada, até que os autores a abandonaram ao final da avenida Aeroclube. Ainda era dia quando ela foi deixada, mas temia que voltassem para matá-la. “Ainda estava claro”, relembra. A vítima voltou para casa caminhando e, por vergonha de procurar atendimento, estancou o sangue com remédio caseiro. “Eu estava com muita vergonha, como iria contar?”, questiona. Depois, com a persistência da dor, ela procurou atendimento na UPA (Unidade de Pronto Atendimento Comunitário), mas disse que havia sido vítima de uma tentativa de estupro. Maria voltou para casa e depois ainda procurou atendimento médico por mais duas vezes, até que conseguiu relatar o acontecido para uma amiga. Com a ajuda dela, procurou ajuda médica novamente, até que o profissional percebeu que os ferimentos eram graves. A ambulância foi chamada e Maria foi levada para a Santa Casa, onde passou por cirurgias. “O doutor disse que estava tudo contaminado, entrou com antibióticos e soro todos os dias, tive que usar sonda”.Maria recebeu alta depois de 26 dias do crime e está na casa de uma amiga. Ela anda com dificuldades e diz que confia na investigação da polícia. Agora, ela pede ajuda para manter o tratamento com os medicamentos. Saiba como ajudar.*O nome da vítima foi alterado na reportagem, pois o caso é investigado em sigilo.